Café de Apuí- Projeto Contratos Justos move a bioeconomia na Amazônia
Metodologia jurídica desenvolvida pelo escritório SBSA Advogados fortalece relações entre empresas e comunidades e impulsiona sucessos como o do Café Apuí Agroflorestal
Na região sul do Amazonas, o avanço de um modelo de produção sustentável tem sido estimulado por uma inovação fora do campo: acordos construídos com linguagem simples, compreensão mútua e respeito às diferentes realidades.
Desde 2022, o Café Apuí Agroflorestal, que reúne 134 produtores que atuam com base em sistemas agroflorestais, vem utilizando elementos da metodologia dos Contratos Justos na Amazônia, desenvolvida pelo escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados – (SBSA Advogados). Além dos frutos do café, a iniciativa Café Apuí Agroflorestal já rendeu a regeneração de 265 hectares de áreas degradadas e evitou o desmatamento de 10 mil hectares de floresta. E pode inspirar as mesas de negociação na COP30.
— Mobilizar US$ 1,3 trilhão em financiamento climático, como prevê o plano que será apresentado na COP30, é fundamental, mas não basta. Esse recurso só terá impacto real se as negociações forem construídas com equidade, ouvindo e respeitando os povos da floresta e as comunidades locais. Se as partes não se entenderem, se continuarmos assinando acordos que não são compreendidos por todos os envolvidos, a desigualdade se perpetua e as soluções não se sustentam. Justiça climática depende de justiça contratual — afirma a advogada e doutora em políticas públicas Aline Souza, coordenadora do projeto Contratos Justos na Amazônia.
A estratégia jurídica do projeto Contratos Justos na Amazônia tem permitido que exemplos como o do Café Apuí Agroflorestal avancem com segurança, equidade e previsibilidade, especialmente em um contexto em que a formalização de compromissos era rara e cercada de desconfiança.
As etapas jurídicas são ajustadas para que todos os envolvidos estejam em pé de igualdade nas negociações: das multinacionais aos pequenos fornecedores. No caso do Café Apuí Agroflorestal, por exemplo, diversos são os esforços para a redução de assimetrias. Desde os primeiros contatos com os produtores, passando por diálogos com a equipe de campo e reuniões presenciais estratégicas conduzidas pela equipe do escritório SBSA Advogados, que viaja até a região.
Após as diversas etapas de negociação, uma vez que o contrato é finalizado, as cláusulas são lidas uma a uma com os produtores, em uma linguagem acessível, livre de termos técnicos e formalismos desnecessários. Ao mesmo tempo, é mantido o rigor jurídico para dar segurança aos envolvidos. Isso acontece graças às recomendações do princípio 1 da metodologia dos Contratos Justos de que: “só é justo se der para entender” que se apoia, por exemplo, nas regras da ISO de Plain Language, já traduzida pela ABNT como “Linguagem Simples”.
Para apoiar a compreensão, além de uma linguagem escrita mais próxima da que é falada, são utilizados recursos visuais. Também começa a ser oferecida a versão oral do contrato que pode ser gravada para ampliar o acesso em um contexto em que a leitura e a escrita são menos comuns, com o uso de exemplos práticos que ajudam a traduzir o universo jurídico para a realidade local. Essa novidade é resultado de um protocolo minucioso criado pelo escritório para garantir a validade do documento firmado com a pessoa que não souber escrever, após uma ampla pesquisa realizada nos tribunais nacionais sobre contratos orais. O resultado é um instrumento de confiança mútua, que fortalece a continuidade das parcerias e a preservação do território.
– O projeto Contratos Justos na Amazônia nasce da escuta e da experiência prática. É uma metodologia viva, em constante aperfeiçoamento. Em regiões onde o contrato era sinônimo de desconfiança, mostrar que esse documento pode ser um instrumento de empoderamento, de transformação das relações e que dá segurança para que projetos sustentáveis ganhem escala é muito importante – explica Aline Souza.
Com a realização da COP30 em Belém (PA), o Brasil terá a oportunidade de mostrar ao mundo que proteger a floresta também depende de como as relações são construídas. A lógica por trás do projeto é que acordos justos e compreensíveis são essenciais para viabilizar modelos sustentáveis de desenvolvimento. Em vez de contratos distantes, que aumentam as assimetrias e dificultam o diálogo, a proposta é criar instrumentos que deem clareza e fortaleçam a confiança, condições fundamentais para iniciativas de longo prazo. A metodologia dos Contratos Justos já foi apresentada em fóruns como a London School of Economics e o Festival de Investimentos de Impacto e Negócios Sustentáveis da Amazônia, mostrando que justiça contratual é parte indispensável para alcançarmos a justiça climática.
A experiência do Café Apuí Agroflorestal reforça que a bioeconomia só se sustenta se for acompanhada de uma estrutura institucional que funcione para todos os lados da cadeia, especialmente para quem vive na floresta. Essa iniciativa nasceu como resposta a um desafio histórico e ambiental no município de Apuí, área marcada pelo maior assentamento rural do país. No final do século XX, migrantes de diversas regiões trouxeram a tradição do cultivo do café, mas enfrentaram dificuldades com as condições locais de solo e clima, o que levou muitos a abandonarem os cafezais em favor da pecuária extensiva. Nos anos 2000, produtores locais perceberam que os pés de café que haviam crescido espontaneamente à sombra de árvores nativas apresentavam melhor produtividade e qualidade. Com apoio técnico do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), surgiu então o Café Apuí Agroflorestal, uma alternativa sustentável baseada em Sistemas Agroflorestais, que alia geração de renda para agricultores familiares à regeneração da floresta, valorizando o território, promovendo segurança alimentar e evitando ainda o avanço do desmatamento.
– Em Apuí, muitos produtores nunca tinham assinado um contrato antes. Para alguns, era motivo de medo, desconfiança mesmo. A metodologia dos Contratos Justos aliada ao conhecimento da nossa equipe, promove uma forma de diálogo que respeita esse contexto. Sentar junto, explicar cada ponto, ouvir as dúvidas e sugestões… Todo o nosso processo de adesão de produtores é revisto anualmente. Através dos contratos justos, colocamos no papel e no áudio de forma muito mais acessível ao produtor as bases da nossa relação. Isso é muito importante para a relação que construímos com as famílias, de uma confiança mútua de longo prazo – conta Sarah Sampaio, diretora executiva da Amazônia Agroflorestal, empresa responsável pela cadeia de valor do Café Apuí Agroflorestal.